Fabíola Batista e Stephania Amorim
Uma população com cerca de duas centenas de exemplares de pau-cravo (
Dicypellium caryophyllaceum),
especiaria intensamente explorada pelos europeus no período colonial,
foi localizada por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG),
em Juruti. A árvore consta nas listas das espécies ameaçadas de
extinção divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente do Pará (SEMA-PA).
A descoberta aconteceu durante uma expedição, realizada em 2009, que
percorreu o Pará e parte do estado do Maranhão, na tentativa de
encontrar indivíduos dessa espécie e, também de outra como o pau-rosa (
Aniba rosaeodora) – árvore que já foi intensivamente explorada pela indústria da perfumaria, e por isso, corre risco de extinção.
“Até dez anos atrás, pensava-se que o pau-cravo estava extinto. Em
2002, foi realizada uma pesquisa para subsidiar os Estudos de Impactos
Ambientais e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de um novo
empreendimento na região da Transamazônica, e, por acaso, encontramos um
único exemplar de pau-cravo em Vitória do Xingu, Sudoeste paraense”,
conta o engenheiro florestal Rafael Salomão, pesquisador do MPEG.
Em 2008, na época da instalação da Mina de Bauxita de Juruti,
empreendimento mineral da Alcoa na região Oeste do Pará, a Companhia se
comprometeu a realizar estudos de viabilidade da espécie como
condicionante para sua implantação, incluindo também outras três
espécies muito importantes: o pau-rosa, a castanheira (
Bertholletia excelsa) e a maçaranduba (
Manilkara huberii).
A partir daí, Salomão, que também coordena o Programa de Monitoramento
Biótico realizado pela Alcoa em parceria com o MPEG, e sua equipe
fizeram um levantamento dos locais de ocorrência da espécie antes de
partir para campo.
Num primeiro momento, no município de Vitória do Xingu, onde foi
encontrado o primeiro exemplar, foram descobertas outras 20 árvores. Mas
foi em Juruti, próximo à área onde a Alcoa mantém suas operações, que
se encontrou a maior população de pau-cravo já registrada em toda a
Amazônia desde o século XVIII.
Neste local, foi implantado um projeto de estudo com parcelas
permanentes, abrangendo uma área de 10 hectares, para monitorar o
comportamento da espécie. “Por causa da raridade do pau-cravo, não há
muita literatura disponível sobre seu ciclo de reprodução. É necessário
ter essas informações para poder realizar o resgate da espécie, evitando
assim seu desaparecimento”, explica o engenheiro florestal.
“Também foi protocolado o pedido do Museu Emílio Goeldi à SEMA-PA para a
criação de uma Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável, que
permita, num segundo momento, estabelecer um projeto de manejo
sustentável por parte dos comunitários”, diz Volnei Tenfen,
superintendente da área de Meio Ambiente da Alcoa Juruti, setor que
financia e apoia a pesquisa, que deve durar, inicialmente, dois anos.
“Este pedido ainda está em curso, sendo analisado pela Secretaria”,
completa.
DROGA DO SERTÃO - O pau-cravo é uma árvore da
floresta amazônica conhecida também pelos nomes populares de
cravo-do-maranhão, cravo-do-pará, cravo-do-mato e canela-cravo. Durante o
período colonial do Brasil, era considerada uma concorrente à altura do
cravo-da-índia e da canela-do-ceilão, com a vantagem de permitir a
extração, na mesma planta, dos dois produtos: a canela de sua casca e o
cravo de suas flores.
Árvore elegante e de porte médio com até 20 metros de altura, cuja
madeira aromática (cheiro de rosas), amarelada, compacta, resistente,
própria para construção civil e naval. A parte mais importante desta
bela árvore consiste na casca a qual vai aos mercados em pedaços de 30 a
60 cm de comprimento e 3 cm de largura, enrolados uns sobre os outros,
formando um cilindro. Casca fina, de cor violeta escuro, aroma idêntico
ao da canela da Índia e sabor picante idêntico ao do cravo da Índia.
Graças a essas características, quando, no início do século XVII, os
portugueses descobriram o pau-cravo, logo perceberam o potencial que a
espécie poderia atingir na Europa. Na época, especiarias como a canela, o
cravo, açafrão, anis e a noz-moscada, de origem indiana, eram muito
apreciadas no Velho Mundo. Eram usadas para conservar e temperar os
alimentos, sendo também empregadas na produção de remédios. Contudo, com
a Índia sob o domínio dos ingleses, os preços de tais especiarias eram
altíssimos. Tal era o prestígio e a importância conferida a esses
produtos que eles chegavam até a fazer parte dos dotes das noivas, das
heranças, e também funcionavam como moeda de troca.
Da descoberta à intensa exploração, foi um pulo. Expedições foram
organizadas para buscar e extrair a espécie, que, junto com
pimenta-do-reino, cacau, urucum, guaraná, e outras, foram chamadas de
“drogas do sertão”, em referência ao nome pelo qual a Amazônia era
conhecida na época. Além de utilizada como tempero e remédio popular, da
espécie se obtinha um corante usado para tingir roupas de algodão. A
comercialização tem ligação direta com a quase extinção da espécie,
classificada como vulnerável, e apontada como sendo de alto risco de
desaparecimento num futuro próximo.