Com 74% de seu território preservado e protegido, a região da Calha Norte traz poucas alternativas de renda para a população.
Se o desmatamento gera pobreza nas cidades e comunidades ao seu
entorno, tampouco a conservação da floresta por si só tem conseguido
garantir um quadro econômico melhor. A região mais preservada e
protegida do Pará é também uma das mais pobres do Estado. É o que mostra
um levantamento do instituto de pesquisa Imazon divulgado hoje e obtido
com exclusividade pelo Estado. O trabalho identificou que os
indicadores socioeconômicos da Calha Norte são inferiores aos da média
do Estado e mostra que é preciso avançar muito em soluções que
possibilitem um desenvolvimento sustentável aliado à floresta para que
ela possa permanecer preservada.
A região, localizada ao norte do Estado, à margem esquerda do Rio
Amazonas, tem 27 milhões de hectares e abriga cerca de 321 mil pessoas
(mais informações na pág. H4). Remota, cortada por rios com vários
trechos não navegáveis, acabou ficando fora do alcance do
desenvolvimento e do arco do desmate. Até 2011, só 5% desse território
havia sido desmatado, contra uma média de 20% do resto do Estado.
Caso raro no Brasil, foi protegida pelos governos federal e estadual
de modo preventivo. Hoje, 74% da área é composta por áreas protegidas
(unidades de conservação e terras indígenas). Mas a proteção e a riqueza
de biodiversidade ainda não se traduziram em melhores condições de vida
para a população.
Em geral, o próprio Pará se encontra em situação mais precária que os
outros Estados. O PIB per capita médio, de R$ 7.993 em 2008, de acordo
com os últimos dados do IBGE, o deixava na 22.ª posição no ranking
nacional. Menor do que a média para toda a Amazônia Legal (R$ 11.200).
Já municípios da Calha Norte apresentaram média de R$ 6.155.
Os indicadores sociais também são ruins, segundo o levantamento. Por
exemplo: somente 11% dos domicílios da região têm saneamento adequado
(IBGE, 2010). A média do Pará era de 19% e a da Amazônia Legal, 24%. O
Índice Firjam de Desenvolvimento Municipal reforça o retrato. Numa
classificação que vai de 0 (baixo estágio de desenvolvimento) a 1 (alto
estágio), os municípios da Calha Norte ficaram, em média, com nota
0,533. As médias do Pará (0,628) e da Amazônia Legal (0,658) os colocam
em desenvolvimento moderado.
Antes do “boom-colapso”. Para Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior
do Imazon e um dos autores do estudo, a ocorrência de indicadores
baixos era esperada pelas características da região: muito grande, muito
afastada, com pouca gente. Mas é diferente de outras regiões do Pará
que sofreram com o processo que ficou cunhado como “boom-colapso” – na
onda do desmatamento, num primeiro momento ocorre um rápido e efêmero
crescimento de renda e emprego, seguido depois de um colapso social,
econômico e ambiental.
“A Calha Norte é pobre, mas tem pouca violência, não tem miséria como
vemos nas regiões devastadas pelo desmatamento. Os indicadores do
Estado são superiores, mas porque estamos falando da média. Nesses
locais eles são bem piores”, diz.
“Ao criarem áreas protegidas e chegarem na Calha Norte antes do
problema, os governos federal e estadual tiveram uma visão estratégica. O
desafio agora é como fazer com que essas amplas reservas tragam uma
oportunidade e não um estorvo econômico para as populações”, afirma. E
agir rápido, com uma “estratégia de vacina”, como definiu Veríssimo,
para impedir que a região cometa os mesmos erros de outras e tenha o
velho modelo econômico de desmatamento que só leva a mais pobreza.
“A realidade é que a área se mantém preservada porque o
desenvolvimento não chegou. Mas está começando. Linhas de transmissão
estão sendo instaladas para levar energia até Manaus, os prefeitos
querem empreendimentos”, comenta Carlos Augusto Ramos, gerente da
regional de Santarém do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela gestão das UCs federais.
“Por isso a hora é de discutir qual seria o desenvolvimento adequado
para a região.”
O estudo mostrou que a região não tem aptidão agrícola. A vocação é
manter a floresta, que pode gerar renda com o manejo de madeira e outros
produtos (como castanha e óleo de copaíba), e os serviços ambientais.
Num primeiro momento, portanto, a atividade mais fácil a se investir é
nas concessões florestais, que já começaram, mas ainda de modo discreto.
Elas podem geram renda para as comunidades e para os municípios.
Outra riqueza ainda ativa é a mineral, em especial a bauxita, com a
qual se produz a alumina. Na vila de Porto Trombetas, no município de
Oriximiná, a Mineração Rio do Norte atua desde o fim dos anos 1970. A
Reserva Biológica do Rio Trombetas e posteriormente a Floresta Nacional
Sacará-Taquera foram criadas em torno da área de exploração.
Numa política que na época tinha mais a ver com a proteção do minério
que do ambiente. Mas que acabou servindo para controlar a atividade e
estabelecer as regras de recuperação do ambiente, de modo que hoje ela é
“mais uma solução que um problema”, como define Veríssimo.
São os royalties da mineração, que vão para Oriximiná, que
possibilitaram que a cidade seja a mais rica da região. Mesmo assim há
problemas como falta de saneamento adequado – só 29% dos domicílios o
têm.
Em entrevista ao Estado, o vice-prefeito Antonio Odinélio (PV) se
queixou da falta de repasse do governo federal, mas admitiu que de fato
não se investiu na área. Seu grupo governa a cidade há oito anos.
Fonte O Estado de São Paulo
Autor Giovana Girardi