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sexta-feira, 14 de junho de 2013

No Brasil, poder público e empresas travam queda de braço pelos royalties da mineração


Um dos períodos mais épicos da história brasileira é conhecido como ciclo do ouro. No final do século 17, empreendedores e aventureiros correram para a remota Minas Gerais, atraídos pelas primeiras pepitas. O ouro garantiu prosperidade à colônia e à metrópole. Enquanto Vila Rica e as localidades vizinhas ganhavam igrejas barrocas e casarões, Portugal enchia os cofres à custa do quinto e da derrama, os impostos cobrados dos mineradores.

Passaram-se três séculos, e a mineração nunca perdeu o papel de protagonista da economia brasileira. Os minerais respondem hoje por 5% do produto interno bruto (PIB). Mais exportados que o petróleo e a soja, são a grande estrela da balança comercial.
No passado, a mão pesada de Portugal no quinto e na derrama deflagrou a revolta dos mineradores. A crise chegou ao ápice na Inconfidência Mineira, a conspiração separatista aniquilada pela Coroa. No século 21, a taxação da atividade mineradora volta a ser motivo de conflito.
De um lado, agora, estão estados e prefeituras, que querem subir um dos encargos que as mineradoras pagam aos cofres públicos. Do outro lado, estão as empresas, que tentam preservar suas margens de lucro. O dinheiro em disputa são os royalties da mineração. Trata-se da contrapartida das mineradoras pelo direito de explorar um bem público — toda riqueza mineral, até mesmo a localizada em propriedade particular, pertence à União.
As empresas pagam royalties que vão de 0,2% a 3% do faturamento com a venda — a porcentagem varia conforme o mineral. O encargo, tecnicamente chamado de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), é recolhido pela União, que entrega quase todo o bolo (88%) aos estados e municípios de onde se ­extraem os minerais.
Petróleo
No ano passado, os royalties injetaram nos cofres públicos R$ 1,8 bilhão. Com esse dinheiro, o governo arcaria com o Programa Nacional de Aids por um ano e meio. Estados e municípios, porém, consideram o montante pífio. Dizem que não é nada se comparado ao lucro das mineradoras. Na inexistência de cifras consolidadas, a produtividade do setor pode ser vislumbrada por meio dos royalties. De 2005 a 2012, o valor recolhido cresceu 4,5 vezes.
Governadores e prefeitos também gostam de citar as indústrias petrolíferas, que, a título de royalties, pagaram R$ 31,7 bilhões em 2012. No petróleo, a compensação chega a 10% do faturamento.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representam as empresas, foram procurados pelo Jornal do Senado, mas não quiseram se manifestar. Em outras ocasiões, as mineradoras disseram que uma mudança drástica nos royalties levaria à quebra pequenos e médios empresários, que já pagam impostos demais.
Em 2007, a consultoria Ernst & Young analisou em 21 países os tributos incidentes sobre 12 minerais. O Brasil foi o campeão na taxação de oito minerais. Em quatro, ficou no segundo ou no terceiro lugar.
Propostas
É grande a chance de governadores e prefeitos vencerem a queda de braço contra as mineradoras. O governo promete submeter ao Congresso a proposta de um novo Código da Mineração — que, entre outras mudanças, prevê royalties com alíquotas mais fartas. Aprovado o código, a arrecadação atual triplicará.
No entanto, não se sabe quando isso ocorrerá. A promessa de uma nova lei foi feita cinco anos atrás, mas vem sendo adiada repetidamente. Na semana retrasada, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, mais uma vez deu um novo prazo. Disse que o Congresso Nacional receberá a proposta neste mês.
— Até aqui, o governo deu prioridade a outros temas no Congresso, como royalties do petróleo, Código Florestal e MP dos Portos. As votações foram difíceis e desgastaram o governo. Parece que a estratégia é esperar um momento político favorável para votar a mineração — diz Anderson Cabido, secretário-executivo da Associação dos Municípios Mineradores do Brasil (Amib).
Na falta do projeto oficial, dois senadores, Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Clésio Andrade (PMDB-MG), concluíram que o reajuste das alíquotas sairia mais rapidamente se cada um propusesse uma nova lei dos royalties da mineração no Brasil com linhas semelhantes às prometidas pelo governo.
O projeto de Flexa (PLS 1/2011) muda a base de cálculo. No lugar de uma porcentagem do faturamento líquido das mineradoras, como se faz hoje, os royalties passam a ser calculados sobre o faturamento bruto. A arrecadação fica mais alta porque são somados à base de cálculo os gastos com o transporte do mineral, os impostos e os seguros.
Neste momento, o que o Senado estuda é um substitutivo baseado na proposta de Flexa. Segundo o texto, feito por Aécio Neves (PSDB-MG), a alíquota máxima sobe dos atuais 3% do faturamento líquido para 5% do faturamento bruto. O substitutivo também impõe uma cobrança extra às minas mais lucrativas — a participação especial, ­­já cobrada do petróleo.
O projeto de Clésio (PLS 283/2011) muda os royalties do minério de ferro. Hoje em 2%, o valor devido ao governo cresce para 4% do faturamento líquido. O minério de ferro responde sozinho por 72% da arrecadação total de royalties.
— A alíquota baixa se justifica quando a margem de lucro da mineradora é estreita ou quando a concorrência internacional é muito acirrada. Nada disso se aplica ao minério de ferro — argumenta ele.
Campanha na TV
O Brasil é o maior produtor de nióbio, o segundo de ferro e manganês, o terceiro de bauxita e o quinto de cobre. A brasileira Vale ostenta o posto de terceira mineradora mais valiosa do planeta.
As minas mais férteis são as da região do Quadrilátero Ferrífero (MG) — o ponto nevrálgico do ciclo do ouro — e as do município de Eldorado dos Carajás (PA). Os cofres estaduais e municipais de Minas Gerais e do Pará são destino de 82% dos royalties.
Por essa razão, são esses os estados mais empenhados em elevar o desembolso das mineradoras. Clésio e Aécio são mineiros. Flexa é paraense. Prefeitos e governadores já foram mais de uma vez ao Palácio do Planalto e ao Congresso Nacional pedir rapidez na reforma dos royalties.
Na tentativa de angariar apoio popular, tal qual o obtido em 2011 pelo Rio em torno dos royalties do petróleo, o governo de Minas chegou a exibir na TV o carturnista Ziraldo e o cirurgião plástico Ivo Pitanguy pedindo “minério com mais justiça”.
Em outra frente, Minas e Pará criaram em 2012 uma taxa pela fiscalização da atividade mineradora, cobrada por tonelada extraída. Analistas entenderam a medida como forma de mostrar que, para os cofres estaduais, os royalties atuais são insuficientes. As empresas tentam nos tribunais derrubar a cobrança.
A maior fatia dos royalties vai para estados e municípios, e não para a União, com o intuito de compensá-los pelos impactos da mineração. A atividade, por exemplo, atrai contingentes de imigrantes, o que exige investimento extra em educação, saúde, saneamento, habitação e segurança.
A extração mineral destrói a paisagem e ameaça a fauna. Um caso é emblemático. Ao longo da década de 80, a Mineração Rio do Norte despejou seus rejeitos no Lago Batata, em Oriximiná (PA) — o processo de lavagem da bauxita produz toneladas de lama. Por causa do ­assoreamento, a água do lago subiu tanto que dizimou a mata de igapó que crescia nas margens e acabou com o habitat dos peixes e dos animais que viviam ao redor. O lago até hoje não conseguiu se recuperar totalmente.
A mineração sobrecarrega ruas e estradas com caminhões, tratores e escavadeiras. Na pequena Congonhas (MG), os varredores chegaram a recolher das ruas, num só dia, 7 toneladas de poeira de minério de ferro. Em 2010, a população protestou pondo máscaras cirúrgicas no rosto dos apóstolos de pedra-sabão esculpidos por Aleijadinho.
Apesar dos danos, prefeitura nenhuma abre mão das mineradoras. Isso significaria ver postos de trabalho fechados, comércio desaquecido e arrecadação reduzida.
Ao contrário dos anos da colônia, a mineração hoje não é negócio para aventureiros. As empresas só se lançam quando entreveem um bom retorno financeiro. Daí a urgência de uma nova lei dos royalties da mineração no Brasil. Afirma Paulo Viegas, consultor legislativo do Senado especialista em energia e mineração:
— Se já é certo que haverá mudança nos royalties, que se faça logo. Enquanto paira esta indefinição, o Brasil perde investimentos. Ninguém aposta num negócio sem conhecer as regras do jogo. Em vez de aplicar aqui, os investidores estão levando o dinheiro para outros países.

Fonte: Agencia Pará

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